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Os inimigos próximos e distantes da compaixão feroz

Atualizado: 9 de mai. de 2021

Por Dr. Chris Germer

Co fundador do Center for Mindful Self-Compassion (CMSC)Por Dr. Chris Germer

Tradução: Erika Leonardo de Souza

Revisão: Cristiano Ramalho

Para ler o texto original, clique aqui.



O trabalho de justiça social não é para os fracos. Agora, mais do que nunca, somos obrigados a reconhecer nossa própria cumplicidade em sistemas de opressão, bem como a afirmar nossa ação individual para criar um mundo melhor. Ações comprometidas por muitas pessoas acabarão se tornando uma força poderosa para a mudança sistêmica. No entanto, muitos de nós lutamos com algumas questões básicas: "O que posso fazer?" "O que devo fazer?"


Após a eleição presidencial americana em 2016, grande parte da vida americana se tornou politizada. Trabalhadores brancos subempregados encontraram voz no novo presidente, mas o comportamento predatório de homens poderosos também levou ao nascimento do movimento #MeToo. Desde então, a pandemia do coronavírus nos atingiu e, após o assassinato de George Floyd, o movimento #BlackLivesMatter foi revigorado. Os americanos têm saído às ruas em números sem precedentes. A combinação da pandemia COVID-19 e os protestos por justiça racial revelou desigualdades sociais como nunca antes. Discussões sobre “opressão sistêmica” parecem com frequência na mídia convencional. A consciência do racismo também está crescendo em todo o mundo, junto com o compromisso de erradicar esta "segunda pandemia". Esses tempos exigem compaixão feroz.

A primeira versão deste ensaio foi publicada originalmente em novembro de 2018 e vários professores de MSC contribuíram para ela, notavelmente Kristin Neff, Hilde Steinhauser, Regula Saner, Susie Fairchild e Aimee Eckhardt. Eu o atualizei para refletir o clima social e político atual, especialmente nos Estados Unidos, bem como para elaborar sobre o que constitui a ação compassiva. É meu sincero desejo que as ideias apresentadas a seguir ajudem os leitores em todas as partes do mundo a se envolverem em ações compassivas para a mudança sistêmica.

O que é a compaixão feroz?


Em todo o mundo, a compaixão é geralmente associada ao aspecto yin, ou de nutrir, da compaixão. O aspecto yin refere-se a “estar com” outra pessoa, especialmente confortando, conectando e validando a dor de outra pessoa. Mas esta definitivamente não é a única expressão de compaixão. Por exemplo, é menos compassivo para um bombeiro correr para um prédio em chamas para salvar um indivíduo preso? Certamente não. Agir é o lado "yang" da compaixão, especialmente protegendo os outros, atendendo aos necessitados e motivando uns aos outros a fazer o que é certo, mesmo que seja difícil.

Às vezes, a compaixão yang precisa ser feroz, como Kristin Neff aponta em seu ensaio sobre o tema no contexto da autocompaixão. A expressão “compaixão feroz” inclui as qualidades de força, coragem e empoderamento para enfrentar a injustiça social e mudá-la. A compaixão feroz também costuma conter um elemento de raiva. Uma boa metáfora para a compaixão feroz é o comportamento de uma mamãe ursa quando seu filhote é ameaçado. O aspecto da raiva pode ser confuso para as pessoas que normalmente associam compaixão com calor e carinho. No entanto, aprender a domar a raiva é uma parte importante da compaixão feroz. Quando suprimimos nossa raiva, provavelmente perdemos nossa capacidade de falar a verdade ao poder ou de tomar uma atitude positiva. Por outro lado, deixar nossa raiva desgovernada pode causar danos irreparáveis a nós mesmos e aos outros.

É fácil inventar desculpas para comportamentos nocivos em nome da compaixão feroz. Por exemplo, podemos pensar que xingar alguém que insultou um ente querido é uma proteção e, portanto, uma compaixão feroz. No entanto, isso não é compaixão, é vingança. Ou no trabalho de justiça social, podemos pensar que destruir a propriedade de uma pessoa inocente é uma forma válida de protesto quando estamos cheios de raiva. A raiva reprimida pode ser compreensível - Martin Luther King observou, “O motim é a linguagem dos que não são ouvidos” - mas os motins não são compaixão feroz e inevitavelmente geram mais violência.

Como sabemos quando somos ferozmente compassivos?


Uma exploração dos inimigos próximos e distantes da compaixão feroz pode ajudar. “Inimigos próximos” e “inimigos distantes” são termos budistas geralmente aplicados aos Brahmaviharas, ou as Quatro Incomensuráveis - bondade amorosa, compaixão, alegria empática e equanimidade. Inimigos próximos são estados que parecem semelhantes à qualidade desejada, mas na verdade a minam. Inimigos distantes são o oposto do que estamos tentando alcançar. Por exemplo, um inimigo próximo da bondade amorosa é o sentimentalismo - semelhante, mas diferente. Um inimigo distante da bondade amorosa é a má vontade - o oposto da bondade amorosa. Da mesma forma, um inimigo próximo da compaixão é a dó (ou pena) e um inimigo distante é a crueldade. Compreender essas diferenças, especialmente os inimigos próximos, ajuda os praticantes a cultivar a compaixão em seus pensamentos, palavras e ações. Neste ensaio, aplicaremos o conceito de inimigos próximos e distantes à compaixão feroz, especialmente no que se refere aos três componentes da compaixão articulados por Kristin - mindfulness, humanidade comum e bondade. O foco deste ensaio também é a compaixão pelos outros em vez de autocompaixão.

Inimigos distantes da compaixão feroz

1. Reatividade emocional (versus Mindfulness)

Mindfulness é o primeiro componente da compaixão. Mindfulness é a consciência da experiência do momento presente. É o primeiro passo em direção à compaixão porque precisamos saber que uma pessoa está sofrendo para responder com compaixão. O oposto do Mindfulness, ou o inimigo mais distante do Mindfulness, é a reatividade emocional - ser sequestrado por nossas emoções, como raiva, medo ou desespero, e perder de vista a outra pessoa. Quando vemos uma pessoa sendo tratada injustamente e a raiva começa a percorrer nossos corpos, é fácil ser fisgado por ela. Precisamos de muita consciência para escolher como vamos responder, em vez de simplesmente reagir.

Quando a raiva é temperada pelo Mindfulness, ainda é a mesma raiva? Provavelmente não. Em seu ensaio intitulado “Was Gandhi Angry?”, Stephanie Van Hook (2015) cita Mahatma Gandhi (Young India, 1º de outubro de 1931) dizendo: “Não é que eu seja incapaz de sentir raiva, por exemplo; mas consigo quase sempre manter meus sentimentos sob controle”. Nesse comentário, Gandhi não estava dizendo que suprimia suas emoções - ele simplesmente não era controlado por elas. Gandhi aproveitou a energia da raiva em seu movimento não violento de desobediência civil e libertou seu país da opressão. Isso é compaixão feroz.

2. Demonização (versus Humanidade Comum)

A humanidade comum envolve o reconhecimento de que todos nós sofremos, todos desejamos ser felizes e estamos todos interconectados. Quando imaginamos que somos moralmente superiores às outras pessoas, nos desconectamos sutilmente. Este é o processo de “outrização” que levado ao extremo pode resultar em demonização. Demonizar é um inimigo distante da compaixão feroz.Thich Nhat Hanh (2001) escreveu em seu belo poema, “Por favor me chame pelos meus verdadeiros nomes":

Eu sou a criança em Uganda, toda pele e ossos,

minhas pernas são finas como varas de bambu.

E eu sou o comerciante de armas, vendendo armas mortais para Uganda.

Nosso senso de humanidade comum precisa ser muito profundo para não demonizar um comerciante de armas cujas ações causam a destruição de seres inocentes. No entanto, desafios para a humanidade comum surgem todos os dias quando ligamos as notícias e ouvimos sobre as palavras e ações de pessoas do outro lado do espectro político. É tão fácil ficar moralmente indignado e demonizar nossos oponentes. Em contraste, a consciência da humanidade comum reconhece nossas diferenças enquanto lembra que todos ainda são seres humanos - ”assim como eu” (Jinpa, 2015).

3. Hostilidade (versus bondade)

Na compaixão yang, a bondade é evidente quando protegemos, provemos e motivamos os outros. O oposto de cuidado e bondade é a hostilidade, o terceiro inimigo da compaixão feroz. O desafio da compaixão yang é ser firme e dizer “Não!” e criar limites seguros sem desenvolver uma atitude hostil. O processo de demonização descrito acima é na verdade uma combinação de "outrização" e hostilidade.

A hostilidade costuma estar associada à emoção da raiva, e a raiva é uma emoção humana natural de que todos precisamos para sobreviver. A raiva também é um sinal claro de que nós ou outras pessoas corremos perigo físico ou emocional. É por isso que pessoas em lados opostos do espectro político ficam tão irritadas. Eles se sentem ameaçados.

Para discernir se nossa raiva terá um uso compassivo, podemos perguntar se estamos com raiva da injustiça ou nos sentimos hostis com uma pessoa. A ação compassiva sempre poupa a pessoa e concentra-se no problema. Podemos amar nossos inimigos. Uma metáfora útil é um artista marcial. Um artista marcial tem equanimidade por dentro e é um guerreiro por fora. Em nosso clima atual de polarização política, é especialmente importante não se deixar levar pelo contágio da hostilidade contra indivíduos específicos, mesmo enquanto lutamos para melhorar nosso governo e liderança.

Inimigos próximos da compaixão feroz


Quais são os inimigos próximos da compaixão feroz - qualidades da mente que são muito semelhantes à compaixão feroz, mas na verdade a minam? Novamente, vamos considerar os inimigos próximos em relação aos três componentes da compaixão

Condescendência (versus Mindfulness)

Em antigos textos budistas, Mindfulness está intimamente relacionado à equanimidade. Equanimidade é consciência equilibrada. No entanto, o esforço para manter uma consciência equilibrada pode às vezes levar à inércia diante da injustiça. A condescendência é um inimigo próximo do Mindfulness e, portanto, da compaixão feroz. Um exemplo é dizer que “ambos os lados têm culpa” e então não fazer nada quando um grupo está obviamente fazendo mal ao outro. Da mesma forma, quando não estamos trabalhando ativamente para desmantelar estruturas sociais racistas, como desigualdade de acesso à saúde, educação ou direitos de voto, estamos inadvertidamente apoiando-os por meio de nossa aquiescência. A compaixão feroz implica que estamos dispostos a agir para desmantelar os sistemas de injustiça à medida que aparecem em nossas vidas.

Uniformidade (sameness) (versus Humanidade Comum)

Uma interpretação rotineira da humanidade comum é que todos somos "um". Isso pode ser verdade em um nível absoluto, mas no nível da experiência vivida, cada um de nós está sujeito a diferentes causas e condições. O que temos mais em comum é que somos todos diferentes. Algumas pessoas dizem: "Não podemos simplesmente parar de falar sobre nossas diferenças e nos concentrar no fato de que somos todos seres humanos?" Esta é a suposição de igualdade e é um inimigo próximo da humanidade comum porque ignora e marginaliza as experiências dos outros. A compaixão feroz inclui a coragem de ter conversas difíceis sobre nossas diferenças com base em raça, etnia, habilidade, gênero, orientação sexual e uma infinidade de outras identidades.

Pena (versus Bondade)

O terceiro componente da compaixão, a bondade, implica que vemos os outros como iguais. Em contraste, um inimigo próximo da bondade é a pena. Pena implica que temos um olhar de superioridade frente a outras pessoas que consideramos diferentes de nós. A pena desvaloriza sutilmente outra pessoa. No movimento de justiça racial, as minorias privadas de direitos não estão pedindo piedade; eles estão pedindo igualdade. A pena surge quando aqueles com privilégios sociais são incapazes ou não querem permitir que seus corações se partam com o sofrimento dos outros em nossa sociedade. Esse tipo de entorpecimento emocional faz as pessoas se sentirem separadas e leva à pena. Em contraste, a abertura para nossa própria dor nos abre para a dor dos outros e nos motiva a trabalharmos juntos por um mundo melhor.

Um teste


Quando você experimenta uma injustiça, pessoal ou social, pergunte-se o seguinte:

Inimigos Distantes:

1. “Sou controlado pela minha raiva?” (reatividade emocional)

2. “Eu me sinto moralmente superior?” (demonizar)

3. “Eu quero que meu adversário sofra?” (hostilidade)

Inimigos próximos

1. “Estou disposto a tomar as medidas necessárias?” (não complacência)

2. “Estou curioso sobre a experiência de outras pessoas?” (não uniformidade)

3. “Estou disposto a sentir a dor dos outros como se fosse minha?” (não-pena)

Se você respondeu “não” às três primeiras perguntas e “sim” às três perguntas seguintes, provavelmente está em um estado de compaixão feroz.

Tomando uma atitude sábia e compassiva


Os praticantes da compaixão inevitavelmente perguntam: "Quais ações específicas devo tomar?" para enfrentar a injustiça em suas vidas. Para responder a essa pergunta, a compaixão não é suficiente. Precisamos de sabedoria. A sabedoria pode ser definida como uma compreensão da complexidade de uma determinada situação e a capacidade de ver o caminho de cada um. Outra definição de sabedoria é reconhecer as consequências de curto e longo prazo de uma ação e escolher o curso de ação que produz o maior benefício a longo prazo.

Cultivar as qualidades de Mindfulness, humanidade comum e bondade é uma boa base para a ação compassiva, e quando adicionamos uma medida de sabedoria, podemos certamente mudar o mundo para melhor.

Cultivando Compaixão Feroz

A professora de MSC, Eva Sivan, contribuiu com as seguintes frases de bondade amorosa para a compaixão feroz:

Que eu possa ser forte diante do ódio e que minha determinação nunca vacile.

Que eu possa buscar a justiça com compaixão e abraçar a retidão e a equidade.

Que eu possa ser uma fonte de compaixão, bondade e esperança.

Que eu possa ser um perseguidor da paz.

REFERÊNCIAS

Hanh, Thich Nhat (2001). Call me by my true names: The collected poems of Thich Nhat Hanh (p. 72). Berkeley, CA: Parallax Press. Jinpa, T. (2015). Um Coração sem Medo: por que a compaixão é o segredo mais bem guardado da felicidade. Ed. Sextante, (1ª Ed. pp. 146- 165).

Van Hook, S. (2015). Was Gandhi angry? Retrieved November 12, 2018, from the Metta Center for Nonviolence, https://mettacenter.org/daily-metta/was-gandhi-ang…

Dr. Chris Germer

Co-fundador do Center for Mindful Self-Compassion (CMSC)

O Dr. Christopher Germer é co-desenvolvedor do programa MSC e co-fundador do Center for MSC. Ele é o autor do popular livro, The Mindful Path to Self-Compassion, e coautor (com Kristin Neff) do texto profissional, Teaching the Mindful Self-Compassion Program e The Mindful Self-Compassion Workbook. Seu próximo livro, previsto para 2021, trata da autocompaixão como um antídoto para a vergonha. Chris é um instrutor de professores do MSC e lidera intensivos e workshops do MSC em todo o mundo. Chris também é psicólogo clínico e professor de psiquiatria (meio período) na Harvard Medical School. Chris vem integrando os princípios e prá ... Leia mais

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